segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cadernos Etíopes e a estética do olhar vazio

Minha querida amiga Dôra – um ser cheio de sensibilidade, artes e afins – compartilhou comigo há alguns dias uma preciosidade, que eu gostaria de dividir aqui no Mistureba. Ela me enviou o PDF de uma resenha crítica do livro Cadernos Etíopes, de JR Duran - famoso fotógrafo da Revista Playboy, conhecido por seus trabalhos com nus, retratos e moda, que agora parece ter se “aventurado” por outras savanas. O livro, publicado em setembro do ano passado pela Cosac & Naify, registra a passagem (meteórica) de Duran pela Etiópia e parece pretender mesclar fotografia, literatura e etnografia ao fazer alusão à escrita etnográfica e aos diários de campo.

Giorgia Quintas*, autora da resenha, ao deter-se sensivelmente sobre o livro, lança um verdadeiro facho de luz sobre as imagens capturadas por JR Duran. Clareando nossa compreensão sobre o quão denso e profundo é (ou poderia ser) o ato de fazer retratos de outrem - ainda mais quando “outrem” é de outra cultura - ela nos mostra que o que as lentes duranianas põem a nú não são os corpos etíopes, e sim o forte etnocentrismo e a ausência de esforço em praticar alteridade que permeiam o olhar do fotógrafo. A potencialização da sensualidade dos corpos - marca típica da trajetória profissional de Duran – ao ser dirigida às savanas africanas, numa imersão de apenas três semanas, tem como resultado uma estetização do olhar vazio, onde não há verdadeiro encontro, nem confronto de identidades entre fotógrafo e fotografado. Duran é o estrangeiro que não sai de si, que não se deixa impregnar pelo outro e que apenas repete o seu modo ver aqui e acolá. Não há uma verdadeira troca de olhares, quiçá de perspectivas. A beleza sensível da imagem fotográfica, diz Giorgia, "não se restringe à perfeição ou sensualidade de quem se apresenta no registro, mas sim a como se 'processa' o encontro desta captura: a maneira, a aproximação, a emoção canalizada neste tempo (que, este sim, é essencial ao ato fotográfico) e espaço."

A resenha de Giorgia é cortante, mas necessária. E pode ser lida na integra aqui

* Giorgia Quintas e Doutora em Antropologia pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-graduada em História da Arte pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP/SP. Atualmente, leciona no Bacharelado de Fotografia da Faculdades Integradas Barros Melo - Aeso (Olinda) e é pesquisadora do Núcleo de Imagem & Som em Ciências Humanas do Programa de Pós-graduação em Antropologia (UFPE)