domingo, 30 de agosto de 2009

Paralisia

Naquela noite
Nem todos os gatos eram pardos
Alguns eram covardes.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Aurora

Foi ontem que ela partiu.
Tinha quase 10 anos e uma lista de aventuras que distribuíam marcas pelo seu corpinho peludo. Pequerrucha e magricela, tinha acabado de entrar para o roll das pacientes geriátricas do Dr. Gerson. Considerando o tempo de vida dos gatos, era uma jovem senhora. Há alguns meses, as manchinhas pretas que pipocavam aqui e ali na sua pelagem branca tinham começado a ficar grisalhas e há uns poucos dias tinha tido que extrair dois dentes inflamados. Coisas da idade, disse o Dr. É verdade que este ano fora marcado por uma série de infortúnios na sua saúde. Logo ela, que sempre fora muito saudável. Primeiro foi a cola que infeccionou por conta de uma briga e quase teve que ser amputada! Recuperada a cola, começou a longa e penosa novela com as orelhas: a pele rosada sob os pêlos brancos e curtos sofria há meses com as mazelas do sol. Depois de meses com feridas que insistiam em romper a cada vez que ela coçava - e ela coçava muito! - e depois de muito insistir em tratamentos de todo tipo com cremes, pomadas, cicatrizantes, protetores solares - todos sem sem sucesso - tomei a difícil, e várias vezes adiada, decisão de levá-la para  o Dr Gerson amputá-las, pondo fim aos dramáticos banhos de sangue que tinham se tornado uma rotina bastante dolorosa.

Sim, ficou estranho! Mas nada que o tempo e o amor não transformassem em familiaridade, compaixão, graça. E, principalmente, conforto para ela. Pequerrucha e magricela,  com rostinho redondo, olhinhos amarelos, e orelhas de pitbull, parecia mais uma personagem de desenho animado. Ou de uma raça rara de gatos. As crianças sabiam disso. Entendiam, e adoravam.

A velhice lhe entrava desafiadora, cheia de complicações, adaptações, perdas... Bom mesmo foram os tempos áureos... Manezinha da ilha, nascida no Rio Vermelho, passou sua infância entre os cavalos, vacas, cachorros, gatos e galinhas da vizinhança, brincando num velho paiol que servia de estábulo para a bicharada. Quando bebê, antes de vir morar comigo, tinha sido achada dentro do motor de um carro, com o narizinho todo ralado! Talvez por isso não gostasse muito de viajar motorizada, nem a curtas distâncias. As máquinas grandes e barulhentas sempre a deixavam desconfiada e assustada. Foi ali também, no Red River, que vieram os primeiros namorados e logo em seguida os primeiros filhotes. Ela até amamentou um gatinho órfão, recém-nascido, que teria morrido de fome não fosse o leite dela. A infância dos gatos é curta, mas intensa.

Quando ela tinha uns dois anos, deixamos a vida bucólica para morar em um apartamento perto da universidade. A mudança foi drástica, mas ela logo se adaptou. Morávamos com mais duas amigas, então ela tinha três camas para escolher onde dormir, três colos acolhedores e sei que ela gostou muito daquilo! Nessa época pegou mania de assistir tevê e engordou alguns bons quilos. Os programas com animais eram os seus preferidos e não raro ela se lançava sobre a tela tentando abocanhar um passarinho que passava em revoada.

Depois de alguns meses, voltamos para uma vida mais perto da natureza. A última casa de um belo morro com vista para o mar da Joaquina. Depois da nossa casa só Mata Atlântica e céu azulado. Bons vizinhos. Ali o espaço era amplo outra vez e as aventuras estavam por todos os lados. Ali, ela aprimorou as artes da caça e ganhou porte atlético. Fez um grande amigo felino que partiu muito antes dela e foi mãe mais uma vez. Gostava de deitar-se na imensa varanda e observar todas as movimentações no terreno e o mar ao longe. Nossa casa era virada para o leste e o sol nascia no oceano todas as manhãs. Um espetáculo que ela não perdia já que, fazendo jus ao nome, era madrugadeira. Já eu, me contentava em espiar o show da alvorada por entre as largas frestas da persiana do quarto, deitada na cama. Ela cuidava do nosso espaço, enfrentava cobras e lagartos - literalmente - e botava pra correr o boxer do vizinho que era, pelos menos, três vezes maior do que ela - e isso com um único miado, mais o rabinho arrepiado e esticado para cima! Era miúda mas cheia de valentia. Numa dessas aventuras ela foi picada por uma cobra e passou uma semana inteira internada em uma clínica. Ainda bem que os gatos têm sete vidas...

Nossa última mudança foi para a minha terra natal, há muitos e muitos quilômetros do mar. Outra adaptação. Outros quintais. Outros vizinhos. Minha rotina super acelerada por conta do trabalho. Menos tempo para ela... Gostava de me esperar abrir a porta, sentada no balcão da cozinha. Era como se adivinhasse a hora que eu ia chegar. E se estava na rua, ao ouvir o ronco do carro, saia em disparada e chegava à casa junto comigo. Entrávamos juntas pela porta, ela já indo direto para o prato de ração e me chamando pra ir junto. Às vezes parecia um cachorro: era só chamá-la pelo nome que ela vinha. A não ser que estivesse chateada com alguma coisa. Aí, ahhhh, era preciso fazer um agrado extra, chamar várias vezes, reconquistá-la. Mostrar que ela era importante! Sempre foi uma meiga. Uma querida. Mas fazia tipo, era orgulhosa. Um orgulho que se desfazia na primeira carícia, mas que demonstrava que ela tinha noção do seu valor. Companheira de noitadas no computador, acompanhou uma monografia e uma dissertação de mestrado. Estava sempre ali, por perto... no sofá, na cadeira, no colo. E adorava dormir entre as dobras do meu cobertor.

Ultimamente, como sempre, acordava, por volta das 6h da manhã... Miava para que eu acordasse e abrisse a porta do quarto. Insistia até eu me levantar. E eu, sonolenta, repetia o ritual todo santo dia. Miando, ela solicitava que eu enchesse o prato até a borda. Pedia inclusive para ser acariciada enquanto comia. E dava umas voltinhas em torno das minhas pernas entre uma e outra bocada. Todas as manhãs era assim. Fazia seu lancinho matinal, sua toillet e depois voltava a dormir. Ela tinha suas manias.

E as tardes sob o sol, principalmente quando nos mudamos para interior onde os invernos são bem mais frios que no litoral. Então, a novela com as orelhas começou... Pena os gatos brancos serem tão sensíveis ao sol e aos problemas de pele. Mas enfim, não foi a doença que a levou. Foi a estriquinina. Uma fatalidade, disse o Dr. Gerson, uma presa envenenada, provavelmente. E isso é tudo que posso dizer, com um nó na graganta. Foi ontem.

Hoje acordei com uma sensação estranha. Hoje não teve o miado das 6h da manhã, anunciando a aurora e a hora do café da manhã da Aurora... solicitando que eu abrisse a porta do quarto e a acompanhasse até o prato de ração, enchendo-o até a borda. Hoje não teve o passeio entre as minhas pernas e os pedidos de carinho.

Aurora virou uma estrelinha, disse um amigo meu, como se falasse com uma criança. Eu achei bonito. Mas são as manhãs, são as auroras que sempre me farão lembrar dela. Saudade. Muita saudade...

Heloisa

Escrito em 21/08/09

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Aurora

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sábado, 8 de agosto de 2009

Nada

No princípio é natureza, no final é natureza. Então, por que criar tanta confusão no meio do caminho...? Por que ficar tão preocupado, tão ansioso, com tantas ambições, no meio do caminho -- por que criar tamanho desespero? Toda a jornada é do nada ao nada.

-Osho-

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Calma

Tranqüilidade do lado de cá.
Absoluta calmaria.
Cada um sabe a dor
e a delícia de ser o que é,
já disse o mano Caê
e eu digo pra você.